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23 de novembro de 2022

Web Summit | 2022


Pelo 5º ano consecutivo tive a honra de ser convidada a fazer a cobertura da Web Summit e, desta vez, alarguei a equipa por forma a que o breakfast@tiffany’s estivesse presente em mais conferências, fazendo assim um acompanhamento mais abrangente. Esta edição teve um início bastante auspicioso com Olena Zelenska, a convidada surpresa, um discurso naturalmente marcado pela Guerra na Ucrânia. Destaco também outros temas que mereceram a minha atenção, designadamente a saúde mental e a adição às redes sociais (tema que me diz tanto), as alterações climáticas e a sustentabilidade, a inteligência artificial e o Metaverse. Um certame que certamente não deixa ninguém indiferente!


A primeira-dama da Ucrânia, num discurso íntimo e profundo, emocionou-nos com a sua coragem e determinação em defender o seu País. Olena apresentou-se como uma simples user no que diz respeito à tecnologia, mas enunciando o que devia ser um motor de mudança do mundo ao invés de um instrumento usado por um Estado (a Rússia) ao serviço do terror. Falou-nos sobre o que é viver numa zona de guerra e o impacto que tem na vida das populações, começando por um aspecto por vezes não tão imediatamente visível, a saúde mental e os projectos que se encontram a desenvolver nesta área, designadamente o programa nacional em articulação com a Organização Mundial da Saúde. Segundo um estudo referido por Zelenska, dois terços dos ucranianos sofrem neste momento de ansiedade, mais de metade das famílias encontram-se separadas e é necessário habilitar os profissionais a actuar na primeira linha a lidarem com o trauma."We want to make sure modern day technology is used to save not harm people”, refere, falando de apps de segurança/socorro a instalar em todos os smartphones, na relevância das próteses biónicas, procurando dar alguma sensação de normalidade e regresso à vida às incontáveis vítimas da Guerra, nomeadamente crianças e jovens. Reitera “I believe that technology should be used to create, save and help people not to destroy… I believe such technology is the future”.


In the early days of the worldwide web someone once said give a person a fish and you feed him for a day, teach them how to use the internet and they won’t bother you for weeks (…) At the time it made me laugh but now it feels more prophetic than we knew”, inicia desta forma a rainha Rania da Jordânia o seu discurso, centrado no tema da adição às redes sociais, muitas vezes em sacrifício da nossa “vida real”, da nossa saúde mental e do nosso bem mais precioso, “o tempo”.

“A nossa devoção aos nossos equipamentos não é só por diversão ou hábito, estamos ‘agarrados’. No momento em que acordamos vemos os destaques, percorremos o nosso feed antes de irmos dormir, despendemos pelo menos 7 horas online e (isso) está a aumentar” (segundo um estudo recente, a uma média de 4 minutos por dia, correspondendo, num ano, a um dia por pessoa e mais de 5 mil milhões de dias se considerarmos a totalidade dos utilizadores), prossegue. “I’m not a technologist but I believe that the aim of technology is to make our lives better than they were”. Será esta a melhor forma de investirmos o nosso tempo?, questiona.


“Quando consideramos os desafios do nosso mundo complexo e em ritmo acelerado, desde as alterações climáticas até aos conflitos, desde as doenças infecciosas até à polarização política e outros, o verdadeiro progresso de que necessitamos não é o de máquinas melhores, mas que todos nós sejamos melhores seres humanos”, afirma com convicção, introduzindo igualmente o tema da crise dos refugiados (mais de 100 milhões, segundo as estimativas da ACNUR) e da injusta alocação de recursos.

“A intolerância e o preconceito estão muitas vezes na base dos conflitos. Atacar esse preconceito não é a tarefa para um algoritmo, mas nossa, se não conseguirmos ultrapassar os nossos próprios preconceitos como podemos esperar criar inteligência artificial que não esteja imbuída desses”.

Um discurso profundo, intenso, que, sem dúvida, nos faz pensar e nos lança uma série de desafios, num convite à auto-reflexão…Bravo Rania!

Invest your time in the people you love, life is precious and always too shortThe Twitter feed will never end, there will always be one more Tik Tok but time only moves in one direction and we can’t take it back” proclama, lembrando o Pai, que perdeu recentemente, e o que daria “por mais um momento com ele”. Não poderia concordar mais e é algo que, infelizmente, é para mim tão familiar.


Sophia Kianni, é uma activista pelo clima irano-americana de 20 anos, trabalha com a ONU no grupo de consultores jovens para as alterações climáticas e estuda na Universidade de Stanford. Fala-nos da sua jornada e como todos nós podemos desempenhar um papel nesta causa. Durante o liceu associou-se a várias manifestações e movimentos estruturantes pelo clima, como “Fridays For Future”, “Extinction Rebellion” e “Zero Hour”, tendo-se tornado viral aos 17 anos como a jovem que se manteve em greve de fome à porta do gabinete de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, bem como pela não comparência às aulas como forma de fazer ouvir a sua voz junto à opinião pública e decisores políticos.

Sophia defende que, à semelhança do Movimento pelos Direitos Civis e das Mulheres Sufragistas, a desobediência civil não violenta será chave se pretender-se que as Nações efectivamente adoptem medidas na defesa do clima e que entendam que se trata de uma emergência”. Antecipando o COP27, conferência pelo clima de Sharm el-Sheikh, no Egipto, enuncia que o peso da mudança está “nos ombros de jovens como ela” face à inacção dos políticos e outros stakeholders. Confirmou-me o mesmo em conversa tida a posteriori, quando a questionei sobre o que para ela representava ser a mais jovem consultora de sempre das Nações Unidas, “it means having a voice at the decision-making table and standing up for young people”.


“Da minha experiência como defensora do clima, creio que temos de mudar as pessoas da apatia para a acção”. Sofia argumenta que é fundamental lutar pela literacia neste tema. “Climate change is really a humans rights issue” proclama, invocando o peso que teve para ela a deslocação ao Irão com 12 anos, onde (Médio Oriente) milhares de pessoas são hospitalizadas devido à poluição e em que as temperaturas progridem ao dobro da média global. “As pessoas mais impactadas por este desastre (climático) são aquelas que têm menos acesso aos recursos e informação sobre o tema”, enuncia, considerando que a maior parte dos materiais se encontra em inglês e da luta que tem tomado como sua em traduzi-los para outras línguas, desde logo o Farsi, falado no Irão, começando com a ajuda da Mãe. Hoje conta com a "Climate Cardinals", organização que tem mais de 9.000 jovens voluntários a nível mundial e que luta pela educação climática, traduzindo materiais em mais de 100 línguas, tendo-se tornado viral por um vídeo no Tik Tok.

Assumindo a responsabilidade que cabe à geração Z, como futuros decisores e líderes políticos, destaca o papel fundamental que as redes sociais têm no activismo e nesta luta. “We need to stand up and change the world together and let’s use Tech to do it”.

Recentemente Sophia apelou ainda a que os jovens sejam mais conscientes das suas escolhas, nomeadamente parando de fazer vídeos de unboxing  com a Shein no Tik Tok, marca esta que também esteve presente no Web Summit e em que o seu Executive Vice Chairman, Donald Tang, afirmou que a mesma não tem excedente de produção, assumindo-se como uma empresa sustentável, que confesso seria a última palavra que associaria à cadeia chinesa de fast fashion.


O palco Modum brindou-nos com painéis super interessantes, centrados na moda, sustentabilidade e Web3, entre outros.


Can Fashion and Web3 coexist?”, foi o mote da conversa ente Pierre-Nicola Hurstel, cofundador e CEO da Arianee, e Giovanna Graziosi Casimiro, Head of Metaverse Fashion week at Decentreland, com a moderação de Mark Russel, Managing Editor da British Vogue.

Falando das oportunidades que se abrem para as marcas tradicionais, bem como para novos criadores, referem que não se deve temer esta inovação tecnológica, ainda que seja um complemento e não um substituto da indústria da moda tradicional. “Se pensamos mesmo que vamos deixar de produzir jeans e termos as pessoas nuas em casa com os óculos/set de realidade virtual a vestirem os seus avatares e isso é o que vai salvar o mundo…?”, ironiza Pierre.

Giovanna realça a fantástica experiência que foi realizar o Metaverse Fashion Week, considerando-a “um espaço para as marcas expandirem a sua narrativa, bem como para a experimentação e  desenvolverem os programas de fidelização e a relação com os clientes (…) Um momento revolucionário para a  indústria”. " "A moda é parte da nossa identidade, é uma peça de arte que diz quem nós somos, a nossa narrativa, e isso no Metaverse é amplificado, porque a nossa identidade lá ultrapassa os limites físicos do mundo que conhecemos”.

De igual forma, menciona a maior “democratização”…"Na Fashion Week do Metaverse toda a gente é VIP e pode estar na primeira fila, 30% de novos utilizadores entraram nessa altura e compraram as suas primeiras roupas virtuais”, sendo também uma oportunidade dos novos criadores colaborarem com as grandes marcas.


Pierre destaca o interesse dos players tradicionais de moda e luxo em abraçarem esta nova realidade, tendo desenvolvido projectos recentemente com a YSL Beauty, Moncler, Breitling, Panerai, entre outras, numa nova perspectiva de conexão com o seu público-alvo. As pessoas vão passar a ter a sua carteira de tokens/NFTs das marcas de que gostam e com as quais se identificam.

O que é que eu posso fazer neste novo espaço virtual que não posso fazer no mundo real? pergunta Giovanna. “A Web3 é uma internet de pessoas para pessoas nas quais estas têm a propriedade e a responsabilidade", refere, “own your own digital presence”, nas palavras de Pierre. “Only 5% of your followers see your post If you don´t pay, In Web3 any money they put, every minute they spent is building they digital freedom”. Sem dúvida uma realidade alternativa cada vez mais presente e com a qual vamos ter de aprender a viver!


Dounia Wone, Chief Sustainability & Inclusion Officer da Vestiaire Collective, plataforma online de âmbito global de venda de produtos de luxo em segunda mão, abordou o tema da circularidade e sustentabilidade na moda. Enuncia que o que diferencia a marca dos concorrentes é o modelo de negócio e também a segmentação “escolhemos comprar sobretudo artigos de luxo e premium ao invés de fast fashion ou itens de pouca qualidade”.

Curiosamente, a Vestiaire acaba mesmo de anunciar que não vai vender mais este tipo de produtos. Dounia Wone afirma “A fast fashion não tem valor e ainda menos no resale. Demos este passo porque não queremos ser complacentes com esta indústria, a qual tem um tremendo impacto ambiental e social. O sistema actual encoraja a sobreprodução e o consumo excessivo de artigos de pouca qualidade, gerando grandes quantidades de desperdício de moda”.

Wone advoga “a nossa visão e missão é alterar a forma como as pessoas consomem moda”, educar sobre o consumo desenfreado, deixando de adquirir algo novo todas as semanas, a ideia é “buy less and buy better”. “Look at your wardrobe. Do you want to buy 18 pair of jeans per year at 20 bucks or do you want to invest in 2 or 3 that will last a long time, maybe forever”, reitera.


Na mesma senda, How Luxury can make resale desirable”? foi o mote que juntou Alison Loehnis, Presidente da Net-a-Porter e Stephanie Crespin, co-fundadora e CEO da Reflaunt.

Segundo Alison Loehnis a ideia de luxo e resale não é algo novo, mas sim o conceito de circularidade / sustentabilidade. Foi por esse motivo que lançaram a Outnet, por um lado para venderem peças de fim de colecção que não foram escoadas, mas também para abarcar o mercado de segunda mão. A Reflaunt foi o parceiro escolhido.


 Stephanie Crespin

Alison afirma que começaram com a Net-a-Porter (women’s wear) e de seguida a Outnet e a Mister Porter, tendo ficado surpreendidos com o sucesso que teve junto ao mercado masculino, que no caso das mulheres já estava comprovado. Refere ainda que as pessoas vendem peças em condições fantásticas. “Os clientes estão a reinvestir, 70% destes optam por créditos de compra ao invés de dinheiro e voltam a investir três vezes o valor desses”. “O mercado de revenda permitiu às marcas chegarem a outra audiência”, acrescenta Stephanie.

“Hoje em dia as marcas e retalhistas não têm visibilidade no que acontece no pós-venda” com a Reflaunt podem perceber o que aconteceu às peças, “como é que os clientes estão a interagir com os produtos, quanto tempo ficam com eles e quando os revendem e a que preço”.


Alison Loehnis

Alison refere ainda que os seus clientes estão cada vez mais preocupados com a sua pegada. “A linguagem do consumidor mudou, apesar de vivermos num mundo aquisitivo pensamos melhor se aquilo que estamos a comprar vai ter durabilidade”, mas, caso a queiram revender, garantir que está nas melhores condições. Por esse motivo, e com o “Digital ID”, permite-nos saber qual é a proveniência do produto, autenticidade, entre outros aspectos, a par com os cuidados que devemos ter para prolongar a sua longevidade. Por exemplo, se é de limpeza a seco ou para lavar à mão, o que nem sempre é tomado em atenção, mas que pode fazer toda a diferença. Isto é algo que já faço há muito, razão pela qual tenho bastantes peças que duram há vários anos, incluindo algumas de fast fashion, como é o caso da Zara. Nestas marcas mais mainstream é muito importante saber escolher, começando por ler a etiqueta de composição e verificando se a peça não tem defeitos de fabrico.

Na minha opinião, hoje em dia, aquilo que podemos definir como de “new money” potencia um consumo desenfreado de bens de luxo que em nada beneficiam a sustentabilidade e o ambiente, podendo ser tão pernicioso como as marcas massificadas. Algumas brands como a Chanel já limitam a venda de alguns produtos, caso do modelo Classic Flap. Em suma, considero que a mudança de mentalidades tem de ser global e transversal a todas as marcas, independentemente de serem ou não fast fashion.


Até 2023 Web Summit!

Créditos Fotográficos Breakfast@Tiffany´s

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