O mito de que comprar alivia o stress
“Women who buy new clothes at least once a week reduce stress and become happier”. Esta frase tem invadido as redes sociais e, embora pareça algo inofensivo, um pequeno luxo para aliviar a rotina, está a levar muita gente à dependência emocional e financeira, já para não falar da questão ambiental.
Numa era em que os apelos ao consumo são cada vez maiores, desde as Influencers que fazem “Hauls” diários (sobretudo de artigos de fraca qualidade) até às marcas low cost que invadem as lojas semanalmente com novas tendências, os estímulos são constantes e não nos dão tempo para pensar sobre cada decisão de compra. Urge refletir sobre o assunto, para bem da nossa sanidade mental!
O ciclo da satisfação momentânea
Eu própria já senti este apelo constante, sobretudo durante o período da pandemia. As compras online eram uma forma de aliviar o stress e a ansiedade de uma realidade assustadora, sendo que comecei a fazê-las quase numa base semanal.
Com a minha profissão, onde é importante mostrar novidades, o volume de peças cresceu rapidamente. Passei a ter demasiada roupa e, paradoxalmente, a sensação de não saber o que vestir.
Quando percebi que este “acumular” estava longe de mitigar a ansiedade e só me fazia sentir culpada, decidi mudar.
As minhas estratégias para quebrar o padrão
Comecei por adoptar algumas regras simples:
- Colocar as peças no carrinho e esperar pelo menos uma semana antes de comprar.
- Fazer um closet cleaning a cada seis meses, para ter uma visão efectiva do que tenho e do que realmente uso.
- Reparar roupa ou acessórios que necessitam de pequenos arranjos ou manutenção.
- Evitar duplicados e manter apenas o que faz sentido no meu estilo.
- Além de doar o que já não uso (ajudando quem precisa), comecei também a vender peças em plataformas de segunda-mão, o que, além de libertar espaço, gera cashback.
O detox digital
Também não resisto quando viajo para um destino diferente, pois gosto de usar looks que fiquem bem com o cenário, mas, mais uma vez, faço primeiro uma avaliação do que já tenho, e que posso levar, acrescentado, pontualmente, algumas peças. Encontrar o nosso estilo é essencial, no meu caso, quando se trata da renovação sazonal, só adiro às tendências com as quais me identifico.
Outro passo importante foi deixar de seguir páginas e marcas que me estimulavam constantemente a comprar mais. Ainda assim, não deixei de apreciar a moda: continuo a ler newsletters das marcas de que gosto, mas agora faço uma wish list e espero pelas promoções, especialmente para artigos de maior investimento.
Nas viagens, continuo a adorar escolher looks que se enquadram com o local, mas, antes de comprar, analiso sempre o que já tenho e acrescento apenas algo pontual.
Encontrar a nossa assinatura de estilo é a melhor forma de escapar ao ciclo da novidade sem propósito.

Repetir é elegância e consciência
Existe ainda a ideia de que repetir roupa, sobretudo em eventos, não é socialmente aceite. Nada poderia estar mais errado, para além de ser ecologicamente irresponsável.
Nunca tive problema em reutilizar os meus outfits preferidos. Muitas vezes basta mudar um acessório para recriar o look.
Vemos cada vez mais figuras públicas, incluindo membros da realeza, a usarem o mesmo vestido em eventos de Estado, uma escolha inteligente e inspiradora.
É também usual ver actrizes a repetirem vestidos icónicos, que já haviam sido usados pelas próprias noutras ocasiões, ou até por outras no passado, num gesto de homenagem e de consciência estética e ambiental.
Além disso, ter um guarda-roupa com peças de valor duradouro garante um estilo mais autêntico. Quantas vezes não estreamos algo novo e encontramos alguém com o mesmo?
Dou o meu próprio exemplo. Tenho um vestido Missoni que comprei para celebrar o meu aniversário em Paris. Já o usei noutro em Nova Iorque, e em Bordéus, bem como num jantar no Dubai, ou seja, tornou-se algo que me acompanha em ocasiões especiais, quase uma assinatura de estilo.
A jornada da compra por impulso
O filme Louca por Compras retrata na perfeição este padrão: o desejo, a euforia, a culpa e a promessa de recomeço.
O mote é sempre o mesmo, a procura de bem-estar através da novidade.
Para compreender melhor este propósito, pedi opinião à psiquiatra Dra. Ana Ramos para nos ajudar a identificar quais os principais gatilhos e o que podemos fazer para melhor o nosso comportamento.
“Do ponto de vista psiquiátrico, o problema enquadra-se na esfera dos comportamentos aditivos sem substância, caracterizando-se por impulsividade, incapacidade de resistir ao impulso, uso da compra como mecanismo de regulação emocional, nomeadamente no contexto de perturbações de ansiedade ou depressivas.
Do ponto de vista comportamental, existe normalmente uma sensação de tensão/ansiedade, que leva ao impulso de comprar, com alívio momentâneo da sensação de ansiedade, e nesta situação especifica, seguido muitas vezes de um bem-estar transitório, que paradoxalmente termina em sensação de culpa/ arrependimento. Este comportamento tende a provocar perda de controle, desgaste emocional e financeiro, conflito interpessoal e mesmo diminuição da auto-estima.
Existem intervenções terapêuticas que podem ser utilizadas.
É importante perceber os gatilhos que provocam estados de ansiedade ou sensação de vazio e que podem conduzir ao comportamento, remover meios de compra rápidos, nomeadamente aplicações, cartões guardados, MB Way, criar barreiras à compra (regra das 24 horas antes de comprar, estabelecer limites mensais). Paralelamente poderá ser necessário consultar um especialista, psicólogo ou psiquiatra com eventual necessidade de intervenção do ponto de vista psicofarmacológico (no caso da psiquiatria) em caso de comorbilidade com perturbação depressiva, perturbações de ansiedade ou outros quadros."
Testemunho real
Deixo também o relato de uma seguidora que está a fazer psicoterapia para tratar a dependência de compras:
“Fico logo ansiosa com as novidades da Zara, tenho de comprar senão desaparecem. Acho que nunca é o suficiente. E assim que compro sinto uma sensação boa, mas no dia seguinte é igual. Tento fazer cartões MB Way com um valor fixo por mês, mas ainda não consigo cumprir. Tenho a certeza de que é das redes sociais!”
Conclusão
Acredito que o primeiro passo para uma relação saudável com a moda é devolver-lhe sentido. O verdadeiro luxo está em ter menos, mas melhor, em escolher peças que nos acompanham e nos fazem sentir nós próprias.
Porque, no fim, o que nos veste de verdade não é o que compramos, é o que aprendemos a deixar de comprar!

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