Janeiro traz de volta a rubrica "Hoje o Blog é Meu" em que convido uma personalidade para ser autora do blog por um dia. A minha primeira convidada é Isabel Machado, escritora, que nos fala sobre o seu último livro Constança.
O layout é da autoria de Sara Cabido
CONSTANÇA E
A FORÇA DAS MULHERES
Nasceu castelhana, chamava-se Constança e foi princesa. Mas podia ser portuguesa, Maria e anónima. Viveu no século XIV mas podia ser nossa contemporânea.
Habitou em castelos, teve sonhos desfeitos, amizades traídas, amores defraudados. Calou vontades sob o mando dos outros. Mas o coração nunca deixou de ser livre.
Hoje, neste blog, fala-se da mulher de D. Pedro I, que a História, à vez, celebrou e esqueceu. Que Camões brevemente cantou, para que não se apagasse da recordação dos portugueses a mulher que ficou na sombra do amor mais famoso da nossa memória: o de Pedro e Inês, marido e amiga de Constança.
Sé de Lisboa, onde casaram Pedro e Constança
Uma mulher esquecida que amou e não foi amada. Que esperou e não recebeu. Que, de certa forma, viveu à frente do seu tempo, educada e instruída por um pai que a admirava, mas que a usava como instrumento para satisfazer as suas ambições políticas e para vingar os seus ódios. Numa época em que, às mulheres, não eram reconhecidos desejos ou vontades, Constança Manuel, neta de reis, ousou sonhar. Desafiou a lógica da sua era e acreditou que saberia construir um casamento baseado no amor, depois de anos de espera por D. Pedro, devido a uma guerra entre Portugal e Castela, precisamente por sua causa.
Trouxe para o nosso país essa vontade.
Alenquer, terra dada em arras a Constança, pelo sogro, D. Afonso IV
Deambulou por muitas terras portuguesas: Lisboa, Alenquer, que muito amava, Coimbra, Viseu, Santarém, Montemor-o-Novo. Em cada uma deixou a marca da sua generosidade, reconhecida pelas populações, que se reviam na vida trágica que Constança conhecera desde a infância até chegar a Portugal.
Abraçou com ilusão a nova vida, sempre acompanhada por Inês. Ninguém sabe quando foi D. Pedro atraído pela aia da mulher. Durante muito tempo, Constança calou o que o instinto lhe dizia. Talvez por temor de enfrentar a realidade, ignorou a mágoa com determinação, acreditando que poderia salvar o amor e a amizade.
Quando a evidência lhe confirmou os receios, mostrou a astúcia de que as mulheres sempre deram provas. Arredadas das decisões e do poder, sempre se serviram da inteligência e da capacidade de ler situações e de prever desfechos. E Constança lutou. Apelou ao rei, seu sogro, por uma solução branda, mas que aproximasse Inês de si e afastasse o marido, pelas leis de Deus.
Castelo de Penafiel, em Castela, onde Constança residiu
Mas o destino foi adverso de novo. Um desgosto maior, a morte do primeiro filho varão, que representava a esperança no fim do romance entre Pedro e Inês, atirou com Constança para o desespero.
O dever e a coragem arrancaram-na ao marasmo e fizeram-na erguer-se, mais uma vez, convicta de que a sua coragem seria a chave para solucionar a traição. Mas não bastou. A paixão de Pedro e Inês – sabemos hoje – resistiu a tudo, até ao tempo.
Constança não desistiu e jogou mais alto. Nunca se deixando levar pelo ódio, apesar de todos os sentimentos menos nobres que habitam em quem sofre com uma traição, forjou um afastamento entre os amantes, apoiada pelo rei.
Castelo de S. Jorge em Lisboa, principal residência da corte no tempo de Constança
Tudo parecia correr bem. Com Inês longe, o coração do marido esquecê-la-ia. Constança foi verdadeiramente feliz, possivelmente pela primeira vez. Pedro voltara. Nasceu o herdeiro, Fernando, e não havia nuvens naquele céu português, que acolhera a infanta castelhana, A da Triste Sorte, como ficou conhecida pelo povo.
Mas o embate final foi decisivo. Desenganada, desistiu pouco passava dos trinta anos. Nada mais resta quando acaba a esperança. Estas palavras que proferiu têm eco em muitas histórias de mulheres que lutam, no passado e nos nossos dias. Que lutam pelo amor, pela sobrevivência, pela dignidade dos filhos. Constança é, para mim, um símbolo de resistência, de continuada esperança quando tudo parece desabar, uma capacidade muito feminina, que lhes vem, possivelmente, da maternidade e do desejo de proteger os filhos.
Mesmo no fim, Constança perdoou. Perdoar a Pedro e Inês foram as suas últimas palavras, ditas num dia de Janeiro, há precisamente 667 anos.
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