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29 de novembro de 2015

Isabel Machado | Na primeira Pessoa


Foi com muita honra que pela segunda vez apresentei um livro da querida Isabel Machado, uma mulher e uma escritora que muito admiro! O seu livro Constança, a princesa traída por Pedro e Inês, fala-nos sobre uma personagem esquecida da nossa História mas por quem acabamos por criar uma grande empatia ao longo do livro.


Isabel porque motivo escolheste o Castelo de São Jorge para realizar esta entrevista?

O castelo de São Jorge, na alcáçova de Lisboa, era muito importante no século XIV porque era a residência oficial da corte na capital. Constança e Pedro casaram na Sé de Lisboa e as festividades reais desenrolaram-se aqui, precisamente no Castelo de São Jorge. As cortes medievais eram itinerantes, mudavam constantemente de lugar, mas o rei D. Afonso IV, pai de D. Pedro, era um grande defensor da centralização do poder real e acabaria por fixar a corte muito mais em Lisboa do que noutros pontos do reino. Assim, este local era bem conhecido de Constança, que aqui passou muito tempo.


O que te levou a escrever sobre Dona Constança, uma personagem esquecida e apagada da nossa história, depois de romances sobre duas das mulheres mais poderosas de sempre, Isabel I e a Rainha Vitória?

Embora não exista qualquer ligação entre os romances anteriores e este, há em todos o objectivo de olhar a História de Portugal através de um ângulo novo. Nos primeiros dois casos, foi a perda da independência, em 1580, através do olhar da rainha Isabel I de Inglaterra e do seu médico e espião português, Rodrigo Lopes, porque Filipe II era uma ameaça comum para Portugal e para Inglaterra. Com a rainha Vitória, foi quase todo o século XIX português que esteve em causa, através das ligações pessoais e políticas da rainha inglesa com o nosso país, concretamente com a família real portuguesa, com particular destaque para o caso do Ultimato britânico, já na parte final do reinado de Vitória. Desta vez, quis centrar-me num episódio que fosse conhecido de todos os portugueses, mas que, sobre o qual, eu pudesse trazer uma perspectiva completamente nova. A escolha recaiu nos amores de Pedro e de Inês, através da protagonista involuntária que a História esqueceu, D. Constança.


Quais as maiores surpresas que encontraste na construção deste romance?

A maior surpresa foi a vida absolutamente trágica de Constança desde os cinco anos de idade, muito antes ainda de vir para Portugal. Na nossa História ela ficou conhecida como A da Triste Sorte e, de facto, toda a sua vida é marcada por traição e rejeição. Existiu para servir ambições políticas, desde a mais tenra idade. Não há um único período da sua vida em que tenha sido inteiramente feliz ou despreocupado.

Para além disto, tive duas outras grandes surpresas, ainda mais interessantes por serem contraditórias. Por um lado, a quase inexistência de dados sobre D. Constança Manuel em Portugal. É incrível que até a data da morte de uma mulher que seria rainha de Portugal não seja consensual entre os cronistas e os historiadores e não estamos a falar de uma diferença de meses, mas de 4 ou 5 anos! Não se sabe quase nada desta grande fidalga de Castela, neta de reis por parte de pai e mãe. No entanto, foi fascinante descobrir que, apesar de ter ficado na sombra da História, esta mulher provocou, involuntariamente, acontecimentos ao mais alto nível e da maior gravidade em toda a Península Ibérica! Entre os reinos de Portugal, de Castela e de Aragão, acabando, até, por ter influência na forma como se orientou a célebre Batalha do Salado, em que se travou a última grande tentativa de invasão da Península Ibérica pelo poder mouro do reino de Granada, aliado ao imperador de Marrocos. Isto foi fascinante para mim e espero que seja também para os meus leitores.


Isabel uma pesquisa tão remota certamente apresenta dificuldades. Como se constrói uma personagem sobre a qual não se sabe quase nada?

Neste caso, baseei-me no percurso, nas cartas e no carácter do seu pai, D. Juan Manuel, uma figura fabulosa do século XIV ibérico, grande senhor e guerreiro, com pretensões ao trono de Castela, mas também um académico de renome que deixou vasta obra sobre quase tudo. Este homem é o formador de Constança e, juntamente com D. Afonso IV, o grande obreiro do seu casamento com Pedro, por vingança contra o rei de Castela. Constança serviu-lhe as ambições desde muito cedo. Apesar disso, D. Juan Manuel tinha afeição e admiração por ela, que foi filha única durante muitos anos. Sabemos que era muito devota e melancólica, pelo menos nos seus anos em Portugal, já conhecedora dos amores entre Pedro e Inês. Mas era também uma mulher inteligente, capaz de negociar ao mais alto nível, conforme aprendeu com seu pai.


Fala-se muito de Pedro e Inês…Qual pensas ter sido o motivo para o esquecimento da figura de D. Constança ao longo da nossa História?

A história de Pedro e de Inês tem uma força enorme porque incorpora todos os ingredientes da tragédia: os amores contrariadores por interesses de Estado, a beleza de uma mulher e o assassinato transformaram esta história infeliz num grande mito, ao nível dos mais fascinantes que existem na literatura mundial e este foi verdadeiro, ainda por cima. Tudo o que se passou depois da morte de Inês, verdade e lenda, também acrescentou grandeza ao mito. Neste contexto, Constança ficou esquecida. 


O papel das mulheres neste romance faz-nos pensar. Eram, sobretudo, peças para realizar as ambições políticas masculinas, um papel muito notório neste livro. Fala-nos um pouco sobre isso.

As mulheres eram instrumentos para forjar alianças, nada mais. Eram educadas para isso, cresciam sabendo que tinham um destino a cumprir em nome dos interesses da família, do reino. Mas isso não queria dizer que não sentissem profundamente, que não sonhassem, que não tivessem expectactivas pessoais. Eram seres humanos, com carências e desejos. Sofriam intensamente com o afastamento de casa, esperavam, naturalmente, encontrar alguma espécie de felicidade no futuro que era forjado pela família. Eram muito resilientes, as mulheres sempre tiveram de ser resistentes, no papel secundário que lhes estava destinado. Algumas conseguiam um imenso poder, através da influência. Neste romance, quis também mostrar como o poder dos afectos – dentro do matrimónio ou da família de sangue – conseguia levar um monarca a decidir uma guerra ou a assinar a paz. D. Afonso IV de Portugal e a sua filha, Maria, rainha de Castela, por quem tinha uma enorme afeição, são um caso exemplar, mas há outros neste livro.


A personagem de Inês de Castro não é apresentada de forma óbvia. Ficam-nos muitas dúvidas sobre o seu papel, o que sentiu, as suas motivações. Foi propositado?

Foi inteiramente propositado. Pareceu-me que o romance ganharia em intensidade e em complexidade sem personagens completamente óbvias. A personagem de Inês foi particularmente trabalhada, depois da de Constança, naturalmente, para que ficasse dúvida no leitor, como fica em Constança. É intencional. Quis que o leitor acompanhasse o processo intenso que ocorria com a personagem principal quanto aos amores de Inês, sua aia e amiga e D. Pedro, o seu marido. Construí o romance de forma a que Inês fosse sempre vista através do olhar de Constança, nunca aparece como personagem autónoma, numa única cena, sem a personagem principal.


Já a personagem de Pedro é mais transparente, porquê?

Sobre Pedro parece haver menos dúvidas na cabeça dos portugueses, é curioso. O papel da mulher é sempre mais diabólico na avaliação da sociedade, sempre foi assim. O homem é a vítima, não esqueçamos que as sociedades eram – e são – fortemente patriarcais. O amor de Pedro por Inês nunca foi verdadeiramente contestado. É tido como uma certeza, ao contrário do de Inês por ele, que está rodeado de dúvidas, nomeadamente por interesses dos Castros, a sua família de origem. Mas para mim, no fundo, trata-se de três vítimas, de uma forma ou de outra. Quis mostrar isso.


Consideras que depois de lermos este livro ficamos com uma perspectiva diferente sobre o romance de Pedro e Inês?

Esta pergunta é gira porque depois de o livro sair, há muitas pessoas, que me abordam, pessoalmente ou por via electrónica, falando da sua enorme simpatia por Constança desde sempre, embora não soubessem nada dela. Até por descendentes seus fui contactada. É muito gratificante para mim ler estas mensagens e sentir que trouxe Constança de volta aos portugueses, 650 anos depois. Acho que, depois de ler este romance, a história de Pedro e Inês fica imensamente mais rica, mais complexa. Quem leu nunca mais irá esquecer que, entre aquele amor, havia uma outra pessoa, Constança Manuel, que também sofreu muito.



Pensas que D. Constança terá amado D. Pedro?

Acredito genuinamente que sim. Constança teve um percurso de vida trágico, mesmo para os padrões medievais. Viveu sempre à espera de alguma coisa. É feita refém duas vezes, rejeitada pelo rei de Castela, e provoca uma guerra, involuntariamente. Espera outros quatro anos para poder casar com D. Pedro. Quando chega a Portugal tem 22 anos, uma idade já pouco jovem para os padrões do século XIV, quando era habitual noivas de 12, 13 anos. O casamento com D. Pedro significava a esperança: de resgatar a dignidade da sua família, mas também de serenidade, de paz, de estabilidade, do calor que sempre lhe faltara. Além disso, D. Pedro é descrito como um homem belo, exuberante, atraente para as pessoas. E são vários os autores que falam no sofrimento intenso que a traição provocou em D. Constança.


A importância do “traje” como forma de distinção social era assim tão importante no século XIV?

Muito importante. O traje era a forma de, imediatamente, serem identificadas as classes sociais. Era pelo traje que se fazia a distinção, mal se via uma pessoa. Nesta época, especificamente, ainda se tornou mais importante porque começou a ascensão da burguesia, que começava a poder comprar tecidos caros e jóias vindos de fora. De tal maneira D. Afonso IV se sentiu incomodado com a situação que há uma célebre lei sua, de 1340, em que o rei proíbe expressamente o uso de tecidos ricos e certo vestuário sumptuoso, estabelecendo-se quem podia vestir e e usar o quê e limitando-se certos luxos à família real


Neste livro descreves de forma pormenorizada o ritual do banho de D. Constança, como eram os hábitos de higiene na época?

É frequente associar-se a Idade Média à falta de higiene. E não é necessariamente assim, pelo menos em todo o lado e em todas as épocas. Em muitos aspectos, a Península Ibérica estava avançada em relação à Europa do Norte nesta matéria por causa da influência dos mouros, para quem a higiene era muito importante. Isto era verdade especialmente em Castela porque, no século XIV, se convivia ainda com o reino mouro de Granada.


Referes também alguns tratamentos de cosmética, nomeadamente um tratamento para a queda de cabelo, já era habitual nesta altura?

A medicina era outro caso interessante de desenvolvimento na Península. Mouros e judeus que aqui viviam sabiam muito sobre o corpo e tinham terapêuticas muito avançadas para quase tudo. Mesmo quase tudo!


No presente de casamento de D. Beatriz a D. Constança descreves um magnífico enxoval, em que te inspiraste?

O presente é uma jóia maravilhosa, ficcionada, mas imaginada a partir do espólio que era comum nessa época nas casas reais. D. Beatriz adorava jóias, era um rainha que adorava fausto e conhecida pelo requinte. As pedras preciosas e as pérolas eram já muito apreciadas, vindas do Oriente, trazidas pelos mercadores do Mediterrâneo. O vestuário incluía peças de ouro maciço, como cintos, cobertos de pedrarias, para homens e mulheres. O enxoval de uma princesa também era de uma riqueza extraordinário e importavam-se os melhores panos da Flandres, de França, arcas italianas sumptuosas e tudo isto convivia com a arte e o mobiliário mourisco ou de inspiração mourisca, tornando os castelos peninsulares muito diferentes da restante Europa.


 Dress Zara 


Hair by Tita Martins for Anton Beill Hairdressing


Make-up by Ana Bimbarra for Benefit Boutique

Créditos Fotográficos Paula Bollinger

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